Dados foram coletados pelo Idec e correspondem a ocorrências entre 2009 e agosto deste ano. Além de acidentes graves, excesso de fiação também causa poluição visual

Poste com muitos fios no bairro do Bixiga, em São Paulo: ausência de fiscalização e usos ilegais agravam problemas gerados por falta de manutenção — Foto: Maria Isabel Oliveira/Agência O Globo

 Não é só pela poluição visual: os cabos soltos nos postes também causam acidentes que podem matar. Um levantamento do Instituto de Defesa dos Consumidores (Idec), exclusivo para o GLOBO, mostrou que de 2009 a agosto de 2024 foram registradas cerca de 36 mil ocorrências envolvendo fiações da rede elétrica e de telecomunicações. Mais de 4 mil pessoas morreram.

Os dados foram obtidos a partir de informações enviadas pelas distribuidoras de energia elétrica à Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), responsável pela gestão do uso compartilhado dos postes com as empresas de telecomunicação. Em 2022, após a agência determinar que a contabilização das ocorrências deve ser classificada em doze diferentes tipos de causas, entre elas batida em postes, cabo energizado, choque, poda de árvore e linhas de pipas em contato com os fios, o número de acidentes no país cresceu 16 vezes em relação ao ano anterior.

Apenas de 2022 a agosto de 2024, foram 25.127 pessoas acidentadas e 660 mortas, o que representa 69,6% e 15% do total, respectivamente, entre 2009 e 2021.

— As distribuidoras de energia elétrica não têm adotado medidas para reduzir esses tipos de ocorrências trágicas na última década — avalia Priscila Arruda, pesquisadora do programa de Energia do Idec.

O Idec recomenda notificar a prefeitura sobre os cabos soltos. Em caso de acidente, a pessoa afetada pode pedir indenização, como no caso do motociclista Juan Reis. Ele sofreu escoriações após perder o controle da moto e cair no chão devido a um fio solto, sem identificação do responsávei, ligado a um poste em Ceilândia, no Distrito Federal.

Por ser fiação clandestina de telecomunicação, a Neoenergia, empresa que gerencia os postes na região, foi condenada a pagar R$ 4 mil por danos morais. Mas a companhia alega que, em Brasília, as empresas de TV e internet conseguiram liminares na Justiça que limitam a fiscalização, impedindo a remoção dos fios clandestinos. “Desde o fim de 2022, houve redução de 75% na remoção dos fios”, acrescentou.

Em Juiz de Fora (MG), o entregador de marmitas Maicon Tanini Lanzoni, de 27 anos, caiu da bicicleta após ser surpreendido por um fio solto em outubro do ano passado. Ele sofreu um corte profundo no rosto, queimaduras no pescoço, levou 25 pontos e ficou sete dias sem trabalhar. O processo que move contra a empresa de telecomunicação dona da fiação está parado na Justiça porque a companhia não foi localizada.

— Eu caí em cima de um cabo de aço, e o médico disse que dei sorte. Se tivesse cortado três centímetros para baixo, poderia ter rasgado a jugular. Entrei com pedido de indenização, mas não tive respostas. O juiz só disse que os R$ 10 mil pedidos pelo meu advogado eram muito — reclamou o entregador.

A Cemig disse que, ao ser informada sobre o acidente, enviou uma equipe ao endereço para verificação mas não encontrou nenhuma situação que representasse risco no local. Maicon sustenta que até hoje o fio em que se acidentou segue amarrado no poste da Rua Antônio de Paula Mendes do bairro Bandeirantes.



Maicon Tanini foi atingido por fio solto em Juiz de Fora: entregador teve que receber 25 pontos — Foto: Reprodução/TV Integração

O poste é uma infraestrutura da União concedida às distribuidoras de energia, mas compartilhada com empresas de TV e de internet. De acordo com a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), estima-se que dos 50 milhões de postes no país, 10 milhões estão abarrotados de fios e com ligações clandestinas

O compartilhamento dos postes gera problemas de duas décadas. Em junho, um decreto do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) obrigou que as distribuidoras contratem empresas terceirizadas para ordenar os fios. Os “posteiros” seriam contratados para fazer a cobrança dos pontos de fixação usados pelas operadoras de telecomunicações e a fiscalização do uso da infraestrutura, uma das principais reivindicações da Anatel.

A norma desagradou as distribuidoras. Elas reivindicam que a figura dos posteiros seja facultativa. Para o presidente executivo da Associação Brasileira das Prestadoras de Serviços de Telecomunicações Competitivas (TelComp), Luiz Henrique Barbosa, houve um retrocesso.

— A falta de uma fiscalização efetiva pelas distribuidoras põe em risco as pessoas nas ruas. É preciso uma solução porque não se pode demonizar os postes, o meio mais barato de levar comunicação e energia — ressalva Barbosa.

Regras sem vistoria


As regras de ocupação de um poste são rígidas — além do fio elétrico da distribuidora, são permitidos outros seis cabos, com 50 cm de distância entre eles. Em grandes centros, um mesmo poste tem fios de até 18 provedores. Uma resolução conjunta prevê que um mesmo grupo empresarial tem que usar um único ponto no poste, mas sem vistoria adequada, a regra é descumprida para não dar margem à concorrência.

Segundo pesquisa de 2019, das mais de 20 mil empresas de telecomunicação, 42% tinham contratos para uso de postes. O desordenamento, para o presidente executivo da Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica, Marcos Madureira, dificulta a fiscalização.

— O posteiro não vai ser a solução para o problema, porque é muito complexo identificar quais fios são clandestinos ou não. Seria importante que a Anatel também fizesse a fiscalização — afirma.

Os problemas devem piorar com as fortes chuvas decorrentes das mudanças climáticas, explica Nabil Bonduki, professor de planejamento urbano da USP:

— As fiações geram impacto na paisagem e na arborização. Com os extremos climáticos, isso causa mais desequilíbrio térmico, além de gerar impactos diretos no bem-estar, turismo e economia das cidades.

Em novembro, danos à distribuição de energia por causa de uma tempestade. reacenderam a discussão sobre aterramento de fios, pelo programa SP Sem Fios. A meta era enterrar mais de 65 km, com a retirada de postes. Até julho, a prefeitura informou que 61,5% do projeto foi concluído. Bonduki diz que o processo é caro, mas necessário.


Fonte: O GLOBO