Para aumentar o financiamento, banco de fomento obteve R$ 25 bilhões em aplicações voltadas para uso social de recursos do pré-sal e de infraestrutura. Nos planos, há mais R$ 24 bilhões a caminho

Ao contrário dos recursos do FAT, fundos públicos têm subsídios. Diretor do banco diz que “alvos são delimitados” — Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil

Após anos de encolhimento — diante da elevação de seu juro de referência, a partir de 2018, e de restrições nos repasses do Tesouro e do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), pós-2016 —, o BNDES vem lançando mão de fundos públicos para ampliar o crédito e oferecer condições de financiamento mais vantajosas.

Em um ano e meio sob novo comando do PT, já são R$ 25 bilhões disponíveis por esse caminho, valor impulsionado pelo acesso a R$ 15 bilhões do Fundo Social do Pré-sal, exclusivamente para a reconstrução do Rio Grande do Sul, após as enchentes que assolaram o estado entre abril e maio.

Mais R$ 24 bilhões podem estar a caminho, com o pacote de socorro ao setor aéreo, um novo aporte no Fundo Clima e o potencial do recém-criado Fundo de Investimento em Infraestrutura Social (Fiis).

Os valores poderão ser ainda maiores. A conta inclui só um aporte de mais R$ 10 bilhões no Fundo Clima, previsto para este ano, enquanto o plano do BNDES é receber injeções de mesmo valor em 2025 e 2026.

Além disso, o Fundo Nacional de Aviação Civil (Fnac) teria R$ 4 bilhões para emprestar no curto prazo, segundo sinalizações do Ministério de Portos e Aeroportos, mas também poderá ter desembolsos anuais. Já o potencial do Fiis, de R$ 10 bilhões, é distribuído “em vários anos”, disse o diretor de Planejamento do BNDES, Nelson Barbosa.

Diferentemente dos recursos do FAT, principal fonte do BNDES, que desde 2018 seguem os juros de mercado, esses outros fundos têm subsídios. Ao usá-los na composição dos financiamentos, o BNDES consegue diminuir os juros para os clientes finais, atraindo demanda com condições mais vantajosas.

A estratégia é diferente da adotada nos governos anteriores do PT. A partir da reação à crise financeira global deflagrada em 2008, o BNDES foi turbinado com aportes de títulos públicos. De 2009 a 2014, foram R$ 441 bilhões, que levaram os desembolsos ao nível recorde, mas contribuíram para aumentar o desequilíbrio nas contas públicas.

‘Não pressiona o Tesouro’

Agora, a diretoria comandada por Aloizio Mercadante se colocou a meta de dobrar os desembolsos, do 1% do PIB registrado em 2022 para 2%, em 2026. Ao apresentar os resultados financeiros do BNDES, no último dia 10, Mercadante defendeu a estratégia de lançar mão dos fundos, alguns dos quais “estavam vegetativos ou totalmente paralisados”:

— Qual é a vantagem desses instrumentos? Eles não pressionam o Tesouro, esse é o ponto central. Nesse quadro de restrições fiscais, não temos como imaginar que o BNDES possa crescer.

Barbosa ressaltou o caráter “temporário” desses fundos, que têm um “alvo delimitado” e juros que “podem ser com ou sem subsídios”. E eventuais lucros e sobras ficam com o Tesouro, disse o diretor ao GLOBO:

— O BNDES evoluiu, ouviu as críticas. Os mecanismos colocados agora evitam aquela política do passado, não vão gerar resultado para o banco. Só o recurso efetivamente desembolsado terá subsídio, que, a meu ver, se justifica, pelas atividades financiadas, como a transição energética, descarbonização, desenvolvimento sustentável, saúde, educação e segurança pública.

Economistas ouvidos pelo GLOBO concordaram que a retomada atual do BNDES tem menos impacto no equilíbrio das contas do governo do que a expansão anterior, maior e mais rápida. Agora, a taxa que segue juros de mercado e o tamanho relativamente pequeno dos fundos servem de travas.

— Não há risco fiscal iminente, desde que se respeitem os princípios da boa política orçamentária e fiscal. O que não pode é repetir erros do passado, em que o Tesouro financiava o BNDES passando ao largo do Orçamento público — disse Felipe Salto, economista-chefe da gestora Warren Investimentos.

Para Gabriel Leal de Barros, economista-chefe da ARX Investimentos, a expansão do BNDES vai numa direção “ruim”, mas a baixa velocidade ameniza os riscos, num quadro em que outros itens do desequilíbrio das contas públicas preocupam mais, como gastos com a Previdência e a regra de reajuste do salário mínimo. O risco aumentaria se o governo fizer mudanças na Taxa de Longo Prazo (TLP), referência que segue os juros de mercado, como prevê projeto de lei enviado ao Congresso.

— Se eventualmente a TLP muda, aí é para ficar bem preocupado, porque estão tentando mudar um instrumento que limitou a capacidade do banco de praticar juro negativo, o que reduziria a potência da política monetária, porque a parcela do crédito menos sensível à política monetária aumentaria — disse Barros.

Restrições no FAT


Ernani Teixeira Torres Filho, professor do Instituto de Economia da UFRJ, que foi economista do BNDES, minimizou o efeito na política monetária, mas chamou a atenção para o fato de que os novos fundos tentam compensar as restrições recentes aos repasses do FAT. As retiradas para cobrir o rombo da Previdência deverão ficar entre R$ 17 bilhões e R$ 19 bilhões por ano até 2028, conforme o Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2025.

Desde o ano passado, o BNDES tenta reverter parte das mudanças da reforma de 2019. Segundo Mercadante, os novos fundos “ajudam muito”, mas o quadro vai piorar após 2026:

— Vamos precisar de outras medidas. De preferência, criar uma forma de financiamento sustentável da Previdência, e não uma gambiarra, que é o que foi feito.

Alternativas ao FAT

Fundo Clima

Fundo do Clima — Foto: Editoria de arte

Criado em 2009, no Ministério do Meio Ambiente, com o BNDES como operador financeiro. Foi turbinado com “títulos verdes” do Tesouro Nacional. Já houve duas emissões, de US$ 2 bilhões cada. Financia investimentos “verdes” com juros médios de 6% ao ano, abaixo dos de mercado.

Fundo Social do Pré-sal

Fundo Social do Pré-Sal — Foto: Editoria de arte

Criado em 2010, com recursos da União na produção do pré-sal. No apoio à reconstrução do Rio Grande do Sul, o BNDES foi autorizado a operar R$ 15 bilhões do fundo, para emprestar a empresas gaúchas. Juros que vão de 7,4% a 10% ao ano, abaixo das taxas de mercado.

Fiis

Fundo de Investimento em Infraestrutura Social — Foto: Editoria de arte

O Fundo de Investimento em Infraestrutura Social segue o modelo do Fundo Clima. Financiará investimentos públicos e privados em educação básica, saúde e segurança pública. Poderá adotar estratégia semelhante aos “títulos verdes”, para também garantir R$ 10 bilhões, para vários anos.

Fundo Nacional de Aviação Civil

Fundo Nacional de Aviação Civil — Foto: Editoria de arte

Criado em 2011, no Ministério de Portos e Aeroportos, com taxas cobradas das empresas do setor, para custear investimentos públicos. No pacote de apoio ao setor aéreo, o BNDES terá acesso ao fundo, para emprestar às companhias. Depende de aprovação no Congresso. Não há definição sobre juros.

Funttel e Fust

Funttel e Fust — Foto: Editoria de arte

Criados em 2000, no Ministério das Comunicações, com taxas cobradas das operadoras de telecomunicações e nas ligações telefônicas. O BNDES é um dos operadores financeiros, com juros abaixo dos de mercado. Tem composto financiamentos para a inovação no setor de telecomunicações.

FAT

Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) — Foto: Editoria de arte

Principal fonte do BNDES. Formado com a arrecadação do PIS/Pasep, custeia o seguro-desemprego e o abono salarial, e destinava 40% da arrecadação para o banco. A Reforma da Previdência reduziu o repasse para 28% e incluiu “outras ações da previdência social” entre seus fins. A TLP deixou os juros mais elevados.


Fonte: O GLOBO